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"Não importa"

sexta-feira, 28 de outubro de 2011


Há 20 anos, foi lançado o disco que mudou a minha vida. Chama-se Nevermind. Precisa dizer de qual banda é?

Uma capa tão intrigante quanto as músicas do disco.

Em comemoração a essa data especial, foi lançado em DVD um show memorável deles em Paramount, na cidade de Seattle, no Halloween de 1991, que estou assistindo nesse exato momento que vos escrevo. No ano desse show, eu estava com apenas uma copa do mundo de idade. Só fui descobrir Nirvana depois do fim da banda, depois que Kurt se suicidou (?) e depois que ele virou a lenda do rock.

Nirvana, Kurt Cobain... Substantivos que me remetem aos devaneios da juventude.

Cabe aqui contar a história de como descobri Nirvana e comecei a gostar de rock. Era final do século XX (falando assim parece até que faz muito tempo), quando meu irmão mais velho me presenteou com a exorbitante quantia em dinheiro de 50 reais. Nunca me esqueci desse fato. Um moleque com cinquenta contos na mão era que nem uma fortuna. Não sabia nem o que fazer. Fui ao centro da cidade, coração a mil, à procura de algo pra me presentear. Entrei numa loja de CD’s (algo bem diferente dos padrões de hoje). Eu não tinha gosto musical definido, poderia até ser que eu comprasse um disco de forró ou de pagode - que são coisas que escutamos por osmose em cidades do interior. Mas não! Naquele momento, me veio um estalo na memória. Um primo meu falava de bandas que, na minha alma curiosa, estaria pronto para desfrutar de seu som. Lembrei-me de um tal "Nirvana". Pedi ao atendente para me mostrar alguma coisa deles e, mesmo ele descrente de que venderia alguma coisa naquela tarde a um garoto com espinhas no rosto, trouxe o álbum com aquele "bebê-com-o-pinto-à-mostra-submerso-na-piscina-atrás-da-nota-de-1-dólar".  Nunca tinha escutado e nem pedi pra escutar lá na loja. Aliás, pedi mais outro álbum da banda. Saí de lá com troco no bolso e uma sacola na mão com o nervoso Nevermind e o suave acústico Unplugged In New York. Espécies de yin-yang de uma banda.

Até hoje entre os melhores discos que me acompanham.

Pronto. Foi o estopim pra estourar os fones do microsystem do meu irmão do meio. Era volume no máximo todo dia. Era Smells Like Teen Spirit, Come As You Are, In Bloom, Polly, Drain You... Nossa! Nevermind não tinha nenhuma música ruim! Pra acalmar os ânimos, deixava rolar o Unplugged e eu sentia um barato que não sentiria até então escutando músicas de outrora. A influência de Nirvana foi tão grande que, desde os tempos de mIRC até hoje, tenho e-mail com nick "nirvaneiro".

Foi o estopim também para se anarquizar um estilo de vida na adolescência. Cabelo grande assanhado, all star riscado e sonho de ser rock star. De querer tocar contra-baixo de maneira simples, de querer abrir a boca às indiferenças que fui descobrindo no mundo... Indiferenças essas que, até hoje, engolimos em seco.

Bem, mas falando de música, depois vieram os Red Hot Chili Peppers, Guns N’Roses, Ramones, Beatles, Police, Pink Floyd... Fui me ligando também no Rock Nacional de bandas criadas nos anos 80 e me apaixonando cada vez mais por música ao redescobrir o quão barato também é a MPB. Não sou muito ligado no que tem de novo, geração 2000, mas ficando com meus persistentes dinossauros do rock já está de bom agrado aos ouvidos.

Encerro esse texto aqui, no momento em que Kurt, Krist e Dave destroem seus instrumentos no palco e me dá uma vontade de praticar esse ato de vandalismo com aquele meu baixo de cordas enferrujadas encostado na parede do meu quarto. Mas lembro que tenho que estudar pra prova de faculdade e que isso não passa de resquícios de memória de um devaneio da juventude.

Bart, parodiando Nevermind, sem pinto à mostra, atrás de sua nota de 1 krusty.
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Juazeiro do Norte, 100 Anos

sexta-feira, 22 de julho de 2011


Assim começa uma guerra...
Povo nobre e altivo do Crato, peço permissão para falar sobre o povo imundo do Juazeiro, que vive guiado por Satanás.

Essa frase bombástica foi proferida por um vigário pertencente a uma comitiva pastoral que visitava o Crato, pouco antes de Juazeiro do Norte – à época Joaseiro – sagrar-se independente. Foi o marco embrionário para a eterna rixa entre cratenses e juazeirenses.

Sabia-se que o povoado de Juazeiro estava sendo extorquido pelo Crato. Eram pesados os impostos cobrados e o retorno era por demais insuficiente para acompanhar o crescimento vertiginoso de Juazeiro. O embate editorial entre os jornais de Juazeiro – O Rebate – e de Crato – O Correio do Cariri – eram fervorosos. Uma verdadeira convocação para guerra.

Juazeiro estava levantando a bandeira da independência. “Morrer ou vencer pela liberdade de Juazeiro.” Após frustradas tentativas diplomáticas de tornar-se independente do Crato, foi necessário recorrer às preces e à pólvora. O povo de Juazeiro estava armado: rifles, espingarda, cacete, punhal e reza, muita reza. Crato até preparou exército para cobrar os impostos atrasados dos insurgentes. Quando viu a cena de um povo armado até os dentes, arregou. O jeito era fazer um acordo de paz entre Juazeiro e Crato que pusesse fim naquele barril de pólvora. E assim aconteceu: em 22 de julho de 1911, a Lei 1 028 foi aprovada pela Assembleia Legislativa do Ceará e criou a vila autônoma do Juazeiro.

...e o começo de uma nova história
A guerra não acabou por aí e o problema agora se tornou interno. Quem seria o novo prefeito de Juazeiro? A lista era grande e despontavam figuras ilustres: doutor Floro Bartolomeu, padre Alencar Peixoto, major Joaquim Bezerra... A briga foi intensa pela liderança do novo município. 

Contracorrente, o ponto final foi dado pela figura mais ilustre de todo o Ceará. Padre Cícero Romão Batista, o padim Ciço, nomeou-se prefeito da nascente e promissora Juazeiro. Isso provocou a fúria de alguns pretendentes ao cargo e a devoção dos fieis seguidores do santo do sertão.

E já se passaram 100 anos desde então. Juazeiro do Norte guarda outras grandes histórias dignas de memória, estudos e filmes. Uma cidade riquíssima culturalmente e mística por excelência, no berço do Cariri.


Hoje, Juazeiro do Norte é a maior cidade do interior cearense, mesmo tendo um território cinco vezes menor que o do Crato. Tem quase 250 mil habitantes e continuar a crescer vertiginosamente. A árvore que lhe emprestou o nome, Ziziphus juazeiro é tal qual essa cidade centenária: símbolo de resistência (por continuar viçosa mesmo em meio à mais rigorosa seca) e acolhimento (por sua copa frondosa que oferece agradável sombra em meio ao mais tórrido sol). 


Como diz o Hino do Centenário,


"Teu passado, Juazeiro, é glorioso.
Teu presente um pujante florescer
Teu futuro é grandioso
Construído com trabalho e com fé."

Dá-me um orgulho danado ter nascido nessa terra. E ter começado a minha história aí.

Contagem regressiva zerada... O que fazer com a obra mais representativa do centenário de Juazeiro?
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Bloco de notas

quarta-feira, 22 de junho de 2011


Esse foi o título que dei para um antigo álbum de fotos, na época do Orkut. Nele, postava arquivos escaneados de desenhos com caneta porosa preta em um pequeno bloco de anotações.

Eu simplesmente abria o caderno em uma página em branco qualquer, soltava a imaginação e começava a rabiscar. Fiz aqui um revival com alguns dos desenhos já postados antes, seguidos de suas antigas legendas. Reabrir esse velho bloco de notas com preto-no-branco me fez rememorar e dividir, com quem quer que seja que estiver lendo e observando, esses meus traços. 

Essas são algumas de minhas ideias aleatórias instantâneas transmutadas em papel e agora em kbytes de memória.


Para ver ampliado, clique na imagem desejada.

Blarght!

Construção da Sociedade

De Seu Êxito À Janela De Exit, Ou O Sentido da Vida

Dreamroom

O Que Todos Querem Por Querer

Palavra De Quatro Letras, Começando Com A Letra "A"

Política De M*rd@!

Recado Dado

Zzz
PS: Todos os desenhos acima são de minha autoria, sem nenhum Copyright. Pode plagiar à vontade. Criação não é coisa feita por um só. Tudo deveria - idealmente - ser de todos, sem apoderação nem custeio de nada por ninguém.
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Eu, os cachorros e uma gata

sexta-feira, 10 de junho de 2011



Na infância, naturalmente, simpatizamos com cãezinhos. E isso pode perdurar durante anos. Ou não.

Tenho boas e más recordações de meus bichos de estimação. Tive três cachorros, machos mesmo, porque sempre diziam que criar fêmeas dava um trabalho imenso. Faço uma ressalva afirmando que simpatizo em número e grau com fêmeas, a priori da espécie humana. A espécie feminina é a razão e o prospecto do viver masculino.

Mas vamos falar um pouco dos meus estimes cães e minhas estórias desoladoras precedidas de animadoras vivências. Meu primeiro cachorro se chamou Afi, criativo nome advindo das iniciais dos nomes da minha família. Nome cativante, não? Afi era um cachorro serelepe, tinha cor branca e inconsequentes pintinhas pretas. Não era um dálmata, era mais pra vira-lata mesmo. Sei que tinha um charmoso anel de pêlos pretos circundando seu rabinho sempre indo pra lá e pra cá. Esse meu primeiro animal de estimação me trouxe a alegria de viver em empatia pelos bichos. Morreu precocemente, sufocado em uma garrafa pet de meia banda. Trágico.

Meu segundo cão se chamou Ralph. Era da raça cofap, rebento de uma cadela de um amigo do meu pai. Foi um caso de simpatia. Seu pêlo marrom brilhante e rente possibilitava horas de brincadeiras. É que logo nesse tempo de infância, desenvolvi uma alergia precoce a pêlos de animais, uma típica bronquite juvenil. Ralph era enérgico, desbravador. Quando ele via as portas da casa abertas logo cedo, saia desembestado, sem destino. Um dia, eu indo pra minha escola primária, escutei um grunhido doloroso. Vi um caminhão passando pela rua e, lá atrás, estava Ralph, estendido e imóvel no chão. Estava acordado, ofegante, mas não se levantava. Eu, quando olhei, tive o impulso de pegá-lo em meus braços. Num ato de desespero, Ralph se jogou, tilintando em dor, e abocanhou minha bochecha. Até hoje, essa mordida deixou uma sutil marca próximo ao meu lábio superior. Mal sabia eu, naquele momento, que Ralph tinha sido atropelado pelo caminhão que eu tinha visto momento antes. Não havia sangue nele. Eram seus ossos que estavam bem machucados. Depois dessa, tomei vacina anti-rábica no bumbum. Ralph, meu cão querido, não resistiu, apesar do socorro veterinário.

O terceiro cachorro foi o que durou mais. Chamou-se Lyon, nome pouco criativo, é verdade, porém típico de cão. Já foi em tempos de adolescência. Eu jurei cuidar do cachorro, responsabilizava-me por qualquer um de seus deslizes, incluindo seus incomedidos processos fisiológicos borrões. Lyon era pra ser um Cocker spaniel cor caramelo, mas restou-me um pretinho. Seus pêlos eram negros feito carvão. Decidi que era ele mesmo que eu queria. Foram deliciosos anos. Ele era bastante inteligente. Ninguém acredita, mas eu chegava da escola, deitava no sofá, tirava meu tênis, e Lyon, sorrateiramente, levava meu tênis, um por um, da sala até meu quarto, e colocava o par bem juntinho. Era impossível não amá-lo. Mas eu pequei, eram raras as vezes em que eu o levava pra passear. Ele ficava meio solitário no quintal. Em casa, seus bolos de pêlos eram constantes, levitando no ar e se acomodando nos canteiros do chão. Apesar de cuidados extemporâneos, sofri um duro golpe: minha mãe deu Lyon para uma tia criar, sem aviso prévio para despedida chorosa. Foi um dos duros momentos de amadurecimento pessoal, na minha opinião. Meu único alívio foi imaginar que lá na casa dessa tia existia um campo aberto para ele correr e cadelas de várias raças para ele se divertir. Era um paraíso canino para ele, antes de seus últimos dias terrestres.

Três histórias com desfechos tristes, mas que me renderam amor aos animais. São histórias de vida, também. Por que sabemos bem o que a vida nos reserva em seu ciclo. E, assim, desde cedo, pude aprender.

Tiveram outros cães que me marcaram. Um em especial, de rua mesmo, é memorável. Ele, ou melhor, ela, que era uma cadela chamada Baleia. A personificação ideal e real da "Baleia" em Vidas Secas de Graciliano Ramos. Certas célebres vezes, andei, de madrugada, na retilínea rua São Francisco, em meu Juazeiro, sob luzes alaranjadas de postes. Baleia me acompanhava fielmente. Um assobio fazia-a correr. Era superprotetora na imensidão silenciosa da noite no centro da cidade. Acompanhava-me em cada passo. Se eu desse uma volta correndo no quarteirão, lá estava ela, de língua pra fora - assim como eu, de tão cansado - me acompanhando. Nostalgia marcante dessa época também.

O que me influenciou a contar essa história foi chegar em meu apartamento, ver um bichano da calçada me acompanhar, sentar na escada, e esperar receber carinho de mim. Pouco tempo depois, ronronou. Uma gata, sim, essa histórica inimiga declarada de cães, me fez escrever esse memorando canino. Lembrei nitidamente do quão bom foi minha experiência com cachorros. E, também, o quanto me faz falta ter um aqui, agora, pertinho de mim, cochilando perto de meus pés enquanto escrevo essa estória saudosa. A história de Marley & Eu, em triplicata, perde feio.
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A lei

sexta-feira, 27 de maio de 2011


A lei. O que falar da lei? A definição do dicionário? Tá aí: "Preceito que vem de autoridade soberana de uma dada sociedade". Ou a definição que todos nós temos mas não julgamos, já que a lei é "obrigação imposta" mesmo?

Democracia, ditadura, socialismo, sistemas políticos em geral. Qual a sua moral? Leis? Só isso, leis? Dizem que lei também é para manter a ordem. Ordem essa nunca alcançada, nem de perto, nem em lugar algum. Só em contação de histórias mesmo. Quanto mais leis, mais infrações, óbvio. Quando se chega ao meio-termo, nas decisões sensatas? As leis são tão resolutivas quanto dizer com todas as letras que o mundo vai acabar em 2012. As leis, os códigos, são tão bem arquitetados, que chegamos a um ponto em que estamos tão entregues a ela como um vírus a depender de uma célula para manifestar vida. Irônico, não? Nesse sentido, somos vírus. Parasitas que nem o próprio sistema. Relação ecológica essa digna de estudos aprofundados.

Disse Drummond, em 'Nosso Tempo':

"Este é tempo de partido,
tempo de homens partidos.
(...)
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem 
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se
na pedra."

Mas lei deve existir e sempre existiu. E mais: homens são tendenciosos, jogam em benefício, praticam politicalha.

A cada dia, saltam aos olhos notícias de jornal com decisão judicial.

Um caso da terrinha: comerciantes, pais de família, tiveram instrumentos de trabalho confiscados à força policial armada para cumprir ordem do ministério público. Donos de bares e restaurantes, veja só, cometiam crimes com mesas e cadeiras nas calçadas ou nas ruas. Certo que tudo tem que ter ordem e que deve haver limites. Mas precisava arrancar do chão churrasqueiras, botijões de gás, mesas, cadeiras e deixar alguns comerciantes a Deus-dará? Nessa jogada, há os extremos: grandes comerciantes, que seriam minimamente prejudicados; e pequenos comerciantes, dos quais retiraram uma forma de subsistência para a família. O meio-termo foi parar na caixa-prego. Mas como nem toda decisão é 100%, agora vem a parte risível e a justificativa da ação: quem pagar uma taxa em dinheiro, discute-se, pode colocar mesas e cadeiras nas ruas - respeitando os limites estabelecidos - que isso fique bem claro! Seria aqui um exemplo de lei - ou qualquer variante do mesmo tema - para se conseguir chegar aos objetivos específicos: dinheiro. Ou usurpar "legalmente" de quem mal tem. Essa é a estratégia mais formidável de fazer política em benefício de mais poder. Todo esse assunto tem seus dois lados. O que não se pode fazer são ações extremistas e se proceder como tal. E mais: do quê adianta livrar calçadas e ruas, se a acessibilidade de pedestres e, principalmente, de cadeirantes, é tarefa das mais difíceis no primeiro grupo e das mais impossíveis no segundo? Então, que se criem novas leis...


Em suma: as leis mais remotas criaram os mais variados problemas de hoje e, ironicamente, muitas das leis atuais querem contornar tais problemas com medidas descabidas e inconsequentes.

Os exemplos são tantos, em cada minúcia do cotidiano de uma sociedade, que nem vale a pena citar, sob o risco de ficarmos debilmente entediados com o mundo. Sobrevivemos ao viver cumprimos leis e, se não a cumprirmos, somos punidos. Ou não. É clichê dizer "ou não", mas fazer o quê quando tratamos com a questão de seguir leis?
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Não se mate

sábado, 7 de maio de 2011


Essa é a poesia. Selecionei há tempos, para o dia do meu aniversário. Data despercebida assim, mas bem percebida pelo gauche da vida, para mim. Semana cheia, dias cheios de nada sem tanto. Drummond, é com você, meu caro. O Carlos mais Anderson do mundo, saiba: em relação a você, minhas palavras são as mais descabidas desse planeta mudo.

Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.


Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.


O amor, Carlos, você é telúrico,
a noite passou em você,
e os reclaques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.


Entrentanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas que se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
niguém sabe nem saberá.

Ou em algum mundo particular, Anderson,
talvez deva assim te buscar.
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Superlua

quarta-feira, 23 de março de 2011




A lua do dia 19 de março de 2011 inspirou.  Inspirou muita gente a tecer comentários sobre a lua. Inspirou enamorados a sussurrar palavras de amor ao ouvido. Inspirou jornalistas, astrônomos e curiosos. E, claro, também inspirou poetas de quarto a reescrever num antigo caderno de anotações sentimentais. Foi tudo bem comentado. Há quase 20 anos não acontecia esse tal "perigeu".

Apesar da extrema satisfação de encher os olhos dos observadores com aquela fantástica lua, os astrônomos foram secos em suas constatações: "É um fenômeno rotineiro", "imperceptível a olho nu" e "é uma lua cheia bonita, nada mais". É de deixar qualquer amante da lua inconformado com declarações desse tipo. Apesar disso, afirmavam que o diâmetro da lua teria aspecto 14% maior e brilho 33% mais intenso. Conclusões científicas à parte, foi um deleite ver aquela exuberante lua mais pertinho de nós.

Que bom que a lua vez por outra se mostra em grande estilo aos nossos olhos. A lua quer nos lembrar de sua existência. Quer que inclinemos nossa cabeça aos céus para lhe apreciar. Ela é daquelas que gostam de chamar a atenção de todos com seus atributos que não existem em nenhum outro lugar das galáxias. 

Enfim, atendemos a seu pedido prazeroso de ser atendido. Acho que sua única exigência era para que a observássemos deitados sob seu luar, sentindo sua magia e magnetismo, como que não quiséssemos mais nada naquele noite além dela. Além da lua e de amor.

Precisávamos voltar a ver a lua e as estrelas. Pena que foi preciso os jornais lembrarem desse feitio natural previsto pela ciência. Quem sabe essa lua se parecesse com outras luas cheias corriqueiras. Talvez a gente tenha se surpreendido com essa lua porque pode ter feito muito tempo desde a última vez em que paramos para vê-la, em qualquer uma de suas fases.

A lua, de tão humanizada que é, nos lembrou de sua existência. Como nós, ela pede pra ser vista, tem suas fases e nos faz inspirar. Ela só não morre porque deve ser o único vínculo persistentemente imutável a ser observado por todas as gerações de seres vivos que passam pela Terra. 

Que a Lua, agora com L maiúsculo mesmo, não expire jamais de nossa inspiração.

* O desenho acima é de minha autoria. Tendo a Lua (2010).
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Um homem e seu Carnaval

terça-feira, 8 de março de 2011


Muitos já falaram de carnaval. Vou parafrasear Luiz Melodia, quando escutei sua evocação num antigo disco acústico dos Titãs: "Carnaval, carnaval, carnaval... Eu fico triste quando chega o carnaval."

E sobre carnaval, assim escreveu Drummond, no poema que dá título a esse post.

Deus me abandonou
no meio da orgia
entre uma baiana e uma egípcia.
Estou perdido.
Sem olhos, sem boca
sem dimensões.
As fitas, as cores, os barulhos
passam por mim de raspão.
Pobre poesia.

O pandeiro bate
é dentro do peito
mas ninguém percebe.
Estou lívido, gago.

Eternas namoradas
riem para mim
demonstrando seus corpos,
os dentes.
Impossível perdoá-las,
sequer esquecê-las.

Deus me abandonou 
no meio do rio.
Estou me afogando
peixes sulfúreos
ondas de éter

curvas curvas curvas
bandeiras de préstilos
pneus silenciosos
grandes abraços largos espaços
eternamente.

* A obra acima se chama Carnaval em Madureira (1924), de Tarsila do Amaral.
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Os melhores do Oscar 2011 - parte 2

domingo, 27 de fevereiro de 2011


Toy Story 3 (Toy Story 3, 2010)
Woody - o boneco faroeste com voz de Tom Hanks -, Buzz - o patrulheiro do espaço - e o resto da turma de brinquedos estão em apuros quando o dono deles, Andy, vai para a faculdade e abandona-os. Os brinquedos são doados para uma creche que mais parece um campo de tortura para eles, com crianças bagunceiras que não sabem "brincar". Lá, encontram uma equipe de brinquedos que transforma a creche num campo de guerra. Passam por aventuras incríveis, situações cômicas e grandes dilemas sentimentais. É um filme sobre amadurecimento emocionante, antes de ser apenas uma animação e rotulado como "para crianças".

A turma reunida chegando na Creche Sunnyside. Leia-se: "Creche Guantânamo".

A Origem (Inception, 2010)
Sobre um cara que é "especialista em invadir a mente das pessoas e, com isso, rouba segredos do subconsciente, especialmente durante o sono, quando a mente está mais vulnerável." E mais: ele é fugitivo e peça fundamental no traiçoeiro mundo da espionagem industrial. Sonho dentro de sonho, manipulação de sonho que interfere na vida real. O negócio é complexo. Quer saber? Se não fosse pelos efeitos visuais esplêndidos, essa história de ultra-ficção não seria lá esse balaio todo. A não ser que você curta uma viagem extrema dessas. E tem gente que tá comparando este filme com Matrix, dizendo ser melhor. Pois é, gosto é gosto.

M.C. Escher aplaudiria de pé esses efeitos visuais.

Inverno da Alma (Winter's Bone, 2010)
Uma garota da zona rural dos EUA, Ree Dolly, de 17 anos, fica responsável por sustentar uma família com uma mãe enlouquecida e dois irmãos mais novos, enquanto o paradeiro do seu pai é desconhecido. O pai de 
Dolly é foragido e trabalha para uma perigosa quadrilha de venda de drogas. Sem ter como sustentar a família e sabendo que pode perder a casa, Dolly tenta reencontrar o pai, vivo ou morto. Para isso, coloca sua vida em risco em uma busca incessante. Um filme realmente frio, de gelar a alma em certas cenas.
Uma garota em busca de seu Oscar.

Bravura Indômita (True Grit, 2010)
Uma menina chamada Mattie Ross quer vingar a morte de seu pai, na típica resolução de contas no Velho Oeste. Para conseguir isso, a inteligente jovem contrata o bruto xerife "Rooster" Cogburn, sujeito de bravura indômita, para caçar e capturar o assassino, acompanhando-o nesta jornada para garantir que a morte do seu pai foi vingada. A princípio não concordando com a companhia da garota, a caminhada faroeste segue repleta de percalços e cresce aí uma amizade antes improvável. Um filme típico de acerto de contas no estilo bang-bang, com sangue e heroísmo.

Antes de atirar, puxe o gatilho, menina de trancinha.

127 Horas (127 Hours, 2010)
Cinebiografia do aventureiro e alpínista Aron Ralston, que ficou preso por cinco dias (!) numa fenda do Canyon em Utah. Por ser uma história verídica em que todo mundo já sabe o final, vale mais por acompanhar a angústica e dor do bem dizer único personagem desse filme. Sem ninguém para ajudá-lo e com uma pedra imobilizando seu braço direito, Aron inicialmente luta em vão para sair de lá. Seu passatempo era as intempéries, pensamentos desconexos, uma câmera digital, filmadora e relógio. Com pouca água e alimento escasso, em poucos dias a situação piora, quando não há mais outra alternativa senão amputar o próprio braço e sair dali para buscar ajuda. A cena em que ele mutila o braço é agonizante. Quebra os ossos do próprio braço e, com apenas um canivete made in China, decepa-o, carne e nervos. Quando sai de lá, mutilado, é amparado por trilhistas e hoje é conhecido no mundo todo. Destaque para atuação de James Franco.

Oops!
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Os melhores do Oscar 2011 - parte 1


Fazia tempo que eu não me atualizava nos filmes de sucesso de cada ano. Preparei aqui uma lista comentada com os 10 filmes candidatos à estatueta do Oscar de melhor filme de 2011. Especialistas em cinema afirmam que esta edição do Oscar tem mais sabor de pipoca do que de filme-cabeça. E eu com isso? Valeu a pena assistir cada um.

O Discurso do Rei (The King's Speech, 2010)
George VI, duque de York, conhecido como Berty, é designado a assumir o trono de rei da Inglaterra. O problema é que Berty sofre de gagueira e naquela época, perto do início da II Guerra Mundial, estava surgindo o rádio. Todos os discursos políticos eram transmitidos em cadeia nacional e, daí, imagine, um rei gago fa-fa-falar em público. Depois de tentativas frustradas de se livrar da tartamudez, o novo rei conhece um especialista em discursos, Lionel, um senhor humilde. Nasce aí uma improvável amizade, entre um integrante da família real e um representante do povão. A terapia vai dando certo, mesmo com os choques culturais entre eles. No filme, interessante também é o paralelo feito entre um rei que luta pra falar sem gaguejar e os discursos inflamados de Hitler com sua oratória impecável.

F-f-f-fu...!

A Rede Social (The Social Network, 2010)
A recente história dos criadores do Facebook, aquela famigerada rede social agora espalhada em todo o globo. Mark Zuckerberg é o cara que transformou em realidade a ideia básica de uma comunidade digital para estudantes da Harvard. Noites a fio, desenvolveu o site e não tardou para ser reconhecido e expandido a outras universidades americanas. Todo esse sucesso despertou o interesse de vários empresários que viram ali um negócio, logicamente, promissor e bilionário. Quando isso passa a envolver muito dinheiro e uns malas como o criador do Napster, começa uma incrível rede de intrigas. Milhões estão em jogo devido a processos contra os criadores do Facebook. Mas isso é só uma bagatela perto da fábrica de dinheiro que se tornou essa rede social. O mérito é claro: um nerd que, ao copiar e pôr em prática uma ideia genial, transformou-se em um cara conhecido e multimilionário. 

Um nerd excêntrico com 500 milhões de amigos... Amigos?

Cisne Negro (Black Swan, 2010)
Nesse filme, a gatíssima Natalie Portman pinta e borda. Digo: dança e enlouquece. Nina é uma bailarina dedicada em tempo integral, que não mede esforços para se tornar a dançarina principal de um espetáculo chamado O Lago dos Cisnes. Na cobiça para viver esse papel, passa por tudo, desde o assédio do diretor artístico às suas crises psicológicas. É aí onde o espectador confunde a realidade com os constantes devaneios sombrios da atormentada dançarina, não sabendo mais distinguir o que é real do que é ficção. Um filme que mistura dança, suspense, horror, sexo e toques de humor (a cena do velhinho se insinuando para Nina no metrô é hilária).

Natalie Portman - Ei-iê! - numa cena que será típica das novelas das 8.
  
O Vencedor (The Fighter, 2010) 
Baseado em fatos reais, é sobre a incrível história do boxeador Micky "Irish" Ward. Antes de alcançar reconhecimento e sucesso, Micky era empurrado pelo seu irmão ex-boxeador e sua mãe aos ringues, sem treinamento e técnica aperfeiçoada. Levando peia direto, perdendo as lutas que disputava em desvantagem, e com a instabilidade familiar por seu irmão ser viciado em crack, Micky dá uma virada em sua vida quando consegue contrato com um novo empresário. É aí que dá uma guinada na carreira. Após sair da prisão, seu ex-treinador, ex-viciado e irmão volta e decide recuperar sua dignidade, ajudando Micky nas futuras conquistas até torná-lo num dos maiores nomes do esporte nos anos 80. O mérito aqui vai para a interpretação de Christian Bale, o ex-Batman, que perdeu toneladas de massa muscular para interpretar um típico viciado em crack. O que marcou ainda mais foi a trilha sonora do filme, que tem Led Zeppelin (Good Times Bad Times) e, mais espetacularmente, Red Hot Chili Peppers, bem na metade do filme, com Strip My Mind. Show à parte.

Nem o Coringa conseguiu tirar tanto peso do Batman.
  
Minhas Mães e Meu Pai (The Kids Are All Right, 2010) 
Depois do sucesso daquele filme polêmico com um casal de cowboys gay, hollywood ataca novamente com um casal gay de mulheres. Numa sociedade bem mais tolerante, duas lésbicas casadas, Nic e Jules, são chefes de família e têm dois filhos conseguidos por inseminação. Até que os filhos conhecem seu pai biologico, Paul, o doador do sêmen. O vínculo com o pai cresce e as relações entre essa família inusitada ficam tensas quando Jules trai Nic com Paul. Uma lésbica, que explica sua opção sexual com a típica teoria freudiana, trai sua companheira com um homem. Aí Nic descobre e o final você conhece. A mensagem é: uma vez lésbica, sempre lésbica, e doador de esperma não passa de um doador de esperma e devastador de lar.

-- Olha ali, uma bolha de sabão!
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Cabra "réi"

sábado, 19 de fevereiro de 2011


Esse jeito inconfundível de cearense falar é digno de várias notas. Na coluna do Caderno 3 de hoje do Diário do Nordeste, a historiadora Isabel Lustosa escreveu uma crônica intitulada Rio "réi". Selecionei o seguinte trecho para  explicar o título dessa postagem.
"(...) digo comigo mesma: Rio "réi". Retomando o jeito cearense de falar, onde "réi" é "velho", mas não no sentido negativo que a palavra "velho" tem. É antes esse modo cearense de expressar o afeto com palavras que originalmente tem sentido oposto.

Assim é que a gente diz "nego réi", "cabra réi" para um amigo querido ao qual a gente conhece há tanto tempo, com cujos defeitos estamos tão acostumados que até gostamos deles, do qual somos tão íntimos que sabemos que, chamando-o assim, a gente está evocando um longa história comum."
Interessante saber a origem e o significado de expressões tão batidas pelos nordestinos. Vale a pena ler sua coluna semanal, clicando aqui.
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O Facebook, outras redes sociais e uma conspiração

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011




É um defeito meu olhar as instituições pelo lado financeiro e político. E quando isso se mistura, dinheiro e governo - que por sinal rimam bem -, temos algo repugnante. 

Por trás das mais inocentes formas de liberdades de expressão, temos as máscaras sinistras do poder. Sabemos: religião, política, esporte, arte, cultura... até mesmo as inocentes redes sociais. Todas elas têm sua carapuça oculta infame. Essa teoria conspiratória, acredito, deva lá ser verdade.

Ao assistir o genial filme A Rede Social, que mostra a rede de intrigas que envolveu a criação e o desenvolvimento do Facebook, deparamo-nos com essa idéia, de jogo sujo pelo dinheiro e poder. Por trás de cada rosto risonho na tela do perfil, que são centenas de milhões, há bilhões em dinheiro. Emprestamos nossa mútua colaboração às redes sociais sem pedir nada além de seu serviço grátis. Grátis, em parte. Um dia, quem sabe, descobriremos o preço.

Não pedimos nada, mas eles ganham muito. Só colecionamos amigos. Eles colecionam fortuna. Colecionam também, você sabe, aqueles trilhões de fotos que são postadas em álbuns. É uma privacidade escancarada. Uma liberdade de expressão ilusória. Mas e daí? A gente “curte” isso.

E a amizade hoje em dia, hein? Clique ali em “adicionar aos amigos” e espere a resposta confirmando. Pronto, você tem um novo amigo. Simples, fazer amizade hoje em dia. Mande um recado, comente foto, curta isso e aquilo. Atualize a página. Solicitações de novas amizades. Novos recados. Aniversários próximos. Ah, clique ali também em algum link patrocinado, naquela promoção acolá, no preço! Não esqueça de dizer o que você está pensando agora. Pode ser uma frase pseudo-filosófica ou trecho da letra de uma música de forró de sucesso no momento. 

Tempos modernos, esses.

Não sou contra isso. Até já tentei criar conta no Facebook. Desisti. Já tive conta no Orkut. No Twitter ainda tenho. Mas não quero encher a boca e dizer que não sou um dos mais de meio bilhão de pessoas com perfil que curtem alguma coisa qualquer de lá. Não vale a pena, presumo. É só por uma coisa, e vou te contar: sou saudosista.

O Facebook chegou a preparar pra mim uma lista enorme de pessoas que há anos não via. Incrível. Quisera eu vê-los pessoalmente, ao acaso, espontaneamente, e não assim, de modo forçado. Por ora, prefiro empregar meu tempo em outras coisas. Pode até ser que eu volte a criar uma conta. Agora, não. Quem sabe um dia quando eu me desfizer desse discurso. Discurso esse que pode até ser falso moralista mesmo.

Um problema para quem não está em redes sociais é não consiguir guardar de cor datas de aniversários. Prefiro colocar no calendário. E também, se for pra mandar recado de parabéns, preferiria, mil vezes, mandar ou receber carta. Ou e-mail. É bem mais pessoal que dizer “parabéns @fulanodetal, desejo #muitasfelicidades” ou curtir a mensagem de alguém dizendo “hj eh meu niver!!!”.

Outra coisinha que incomoda é a imagem que cada um monta de si ou a imagem que criamos de alguém. Isso é motivo de uma longa divagação e não vou me permitir a isso.

Ah, tempos modernos... ah, redes sociais! E a gente se torna tão dependente. E as redes sociais também dependem da gente pra crescer, se endinheirar mais. As cartas perfumadas que ficam guardas na gaveta, com outros papeis amarelados pelo tempo, vão voltar? O sentimento pessoal, quem diria, e puxa vida, parece perecer.

Seria um absurdo dizer, enfim, que estas redes sociais estão se apoderando do que há de mais nobre no pensar e no sentir humano? Afinal, as redes sociais arquivam, com nosso termo de consentimento livre e esclarecido, nossos pensamentos, devaneios, arquivos etc. Sabem, tintim por tintim, das ondas de sentimentos que estão predominando em qualquer determinado momento da existência atual.

É um absurdo, então, pensar que estão monopolizando o sentimento humano em kbytes de memória?

Defender esse meu ponto de vista parece ser a luta mais vã.
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Chico Buarque e Os Paralamas

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011


Certa vez estava escutando o cd "Hoje" dos Paralamas do Sucesso e me deparei com a música Deus lhe Pague. Pensei: "música interessante" e, apesar da crítica social, achava estranho ela ter sido, suspeitamente, composta por Herbert Viana. Era uma música, assim, diferente. Depois que fui saber que era de Chico Buarque, esse cara aí. Achei interessante as versões. E reproduzo-as aqui:

Chico Buarque - Deus lhe Pague

Os Paralamas do Sucesso - Deus lhe Pague

Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer, e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe pague

Pelo prazer de chorar e pelo "estamos aí"
Pela piada no bar e o futebol pra aplaudir
Um crime pra comentar e um samba pra distrair
Deus lhe pague

Por essa praia, essa saia, pelas mulheres daqui
O amor malfeito depressa, fazer a barba e partir
Pelo domingo que é lindo, novela, missa e gibi
Deus lhe pague

Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça, desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes, pingentes, que a gente tem que cair
Deus lhe pague

Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistir
Pelo rangido dos dentes, pela cidade a zunir
E pelo grito demente que nos ajuda a fugir
Deus lhe pague

Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas-bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague

Só depois fiquei sabendo que essa música, de tão adaptável a várias versões que é, também já foi tocada por Pitty (com Frejat e Marcelo Nova), O Rappa, Elis Regina, Oswaldo Montenegro... A lista é longa! Se quiser ver o vídeo das versões desses artistas, basta clicar no link do nome de cada um.

Na minha humilde opinião, de tanto que essa música já foi regravada por outros artistas, acho que esse feito só é comparável aos dos sucessos instantâneos das bandinhas de forró fuleragem, que são tocados insistentemente e reciprocamente pelas suspeitas bandas, desde a letra "A" (de Aviões) até a letra "Z" (de Zanzibar). Incrível esse meu conhecimento sobre bandas de forró. Manjo tanto quanto sei dançar.

E, certo, Chico Buarque tem lá seu mérito. Mas prefiro a versão d'Os Paralamas. Se bem que a da Elis está teatral.
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Isso é blues

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011




Show descompromissado de blues. Ele só queria conhecer o velho estilo musical que alicerçou o bom rock and roll. O blues. Aquele ritmo alucinante, inspirador. Onde guitarra chora, baixo lamenta, teclado fala, gaita grita e bateria marca o ritmo. É isso, talvez, o blues. A sonoridade mais humana de todas. E se é humana, é sentimental. Expressa angustia, solidão, dor... mas aí vêm os solos pra contradizer isso tudo com um sonoro: “dane-se!”.

Logo na entrada do show, ele a encontrou, mesmo não procurando-a. Aliás, nem passava por sua cabeça encontrá-la lá. Antigo amor. Seria inevitável o olhar recíproco e também estavam tão próximos que foi inevitável até o contato verbal. De surpresa, cumprimentaram-se. Um beijo na face e um abraço nervoso. Foi um segundo, só. Ele sentiu seu cheiro e ela reconheceu o cheiro dele. Seria impossível para ambos esquecer. – Oh... olá! tá curtindo um blues? – ele diz, risonho. – É... legal, né? – ela responde instantaneamente, emendando com uma exclamação: – Meu namorado... ele toca baixo nessa banda. – O tempo para ambos parou. Ela não queria dizer aquilo daquela forma lacônica, muito menos para ele que, suando frio, joelho vacilante, arriscou com um sorriso agora amarelo: – Err, que bom. – Não se sabe o que sucedeu, mas cada um foi pro seu canto, convenhamos. Como assim, "bom"?

Assistir show de blues, só, é o maior significado para solidão. As próprias melodias choram ao invés de você mesmo chorar. Estava tão confuso quanto para ele seria reproduzir solos irreprodutíveis de blues. Pouco interessava perceber a linha de baixo. O baixo, logo aquele baixo, por ironia, lamentava o choro da guitarra, lamentava a fala travada do teclado, lamentava o grito de desespero em vão da gaita e, ainda assim e mais do que nunca, marcava o compasso perfeito com o ritmo da bateria. Lamentava, enfim, seu próprio lamento. Não fora do tom, mas em tom grave.

Isso, sim, é blues. Mas é rock and roll também.

* A imagem acima se chama Le Violon d'Ingres (1924), de Man Ray.
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Subway to Venus

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011



Encontrei um livro chamado “1000 Obras-Primas da Pintura”. Bastou folhear para me apaixonar. É o tipo de livro que toda criança preguiçosa sonha em “ler”, já que tem mais figuras coloridas que texto. Ao menos na minha infância eu sempre busquei mais os livros repletos de desenhos, pouco importava o conteúdo. Mas esse livro tem ambos: conteúdo e cores. O livro mostra toda a longa caminhada das pinturas nos seus mais diversos estilos, desde o século XV até os dias atuais. Experimente folhear rapidamente esse volumoso livro das últimas páginas às primeiras. O contraste das obras é impressionante, fascinante, intrigante, instigante... e -ante.

As principais obras-primas da pintura são acompanhadas de comentários curiosos, além de uma curta biografia do pintor.

Não deixei de me surpreender a cada página - e não cheguei nem perto de ver 5% do conteúdo. Só pra dar um gostinho, resolvi aqui colocar um pouco do que encontrei sobre a obra O nascimento de Vênus, de Sandro Botticelli. Essa clássica obra-prima todo mundo já conhece - está até em moeda de Euro e naquele seu livro de literatura do ensino médio - mas são várias as simbologias incutidas nela.


Conhecendo Botticelli...
Botticelli viveu entre 1445 e 1510 em Florença, filho de um cidadão abastado. Não se interessava muito por leitura, escrita ou matemática. Seu pai notou que seu filho nunca se tornaria um erudito, mas reconheceu seu dom pelo desenho e o pôs como aprendiz de um pintor monge. Botticelli admirava seu mestre, mas não era entusiasta do realismo que vigorava até então nas pinturas. Preferia, por assim dizer, pintar sonhos, ideais. Botticelli, sabe-se, nunca foi um grande pintor de fatos, não usava cores marcantes e era um péssimo anatomista. Mas tornou-se conhecido por seu dom de realizar obras que misturavam pintura e poesia, sonho e idéias abstratas.

...e destrinchando Vênus
O nome Vênus já mostra a influência clássica romana com a deusa do Amor, e não Afrodite, deusa grega. Diz-se que assim que você lança o olhar sobre a obra, encontra primeiramente o gesto tímido e recatado da mão esquerda de Vênus, no centro. Em seguida, o torso recurvado nos lembra que Botticelli pecava na anatomia inventando articulações. Contudo, seu traço realça um corpo feminino sinuoso, puro e um rosto introspectivo. Como a obra diz, trata-se do nascimento de Vênus, que como deusa já nasce adulta, no mar. O interessante é que ela é levada até praia, embarcada numa concha, que é impulsionada pelo Vento Oeste, simbolizado pelo Zéfiro. O Zéfiro, assoprando, é retratado raptando uma ninfa chamada Clóris, delicadamente abraçada ao seu corpo. Clóris simboliza aí o ato físico do amor. Na praia, as ondas calmas entregam Vênus à Hora, que simboliza a Primavera e o renascer, a qual aguarda a deusa recém-nascida com um luxuoso manto para cobri-la. Toda esta cena é permeada de flores típicas da primavera (rosas, mirto, flores de laranjeira, amentilhos). Essa pintura tem a dimensão de 1,73m por 2,79m e está exposta na Galleria degli Uffizi, Florença. Ô, eu lá!

Esse é o detalhe da obra que mais chamou minha atenção. Ah, Clóris e sua perninha...
Bem, tentei grosso modo resumir a cena da obra. No texto original do livro, fala também da disposição espacial e outras coisas técnicas que anseio em aprender um dia.

Pra esse papo não acabar sem outra coisa interessante, mas divertida:
Paródia com a turma da Mônica em "História em Quadrões"

Para ver dezenas de outras paródias do nascimento de Vênus, segue o link aqui.
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