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Superlua

quarta-feira, 23 de março de 2011




A lua do dia 19 de março de 2011 inspirou.  Inspirou muita gente a tecer comentários sobre a lua. Inspirou enamorados a sussurrar palavras de amor ao ouvido. Inspirou jornalistas, astrônomos e curiosos. E, claro, também inspirou poetas de quarto a reescrever num antigo caderno de anotações sentimentais. Foi tudo bem comentado. Há quase 20 anos não acontecia esse tal "perigeu".

Apesar da extrema satisfação de encher os olhos dos observadores com aquela fantástica lua, os astrônomos foram secos em suas constatações: "É um fenômeno rotineiro", "imperceptível a olho nu" e "é uma lua cheia bonita, nada mais". É de deixar qualquer amante da lua inconformado com declarações desse tipo. Apesar disso, afirmavam que o diâmetro da lua teria aspecto 14% maior e brilho 33% mais intenso. Conclusões científicas à parte, foi um deleite ver aquela exuberante lua mais pertinho de nós.

Que bom que a lua vez por outra se mostra em grande estilo aos nossos olhos. A lua quer nos lembrar de sua existência. Quer que inclinemos nossa cabeça aos céus para lhe apreciar. Ela é daquelas que gostam de chamar a atenção de todos com seus atributos que não existem em nenhum outro lugar das galáxias. 

Enfim, atendemos a seu pedido prazeroso de ser atendido. Acho que sua única exigência era para que a observássemos deitados sob seu luar, sentindo sua magia e magnetismo, como que não quiséssemos mais nada naquele noite além dela. Além da lua e de amor.

Precisávamos voltar a ver a lua e as estrelas. Pena que foi preciso os jornais lembrarem desse feitio natural previsto pela ciência. Quem sabe essa lua se parecesse com outras luas cheias corriqueiras. Talvez a gente tenha se surpreendido com essa lua porque pode ter feito muito tempo desde a última vez em que paramos para vê-la, em qualquer uma de suas fases.

A lua, de tão humanizada que é, nos lembrou de sua existência. Como nós, ela pede pra ser vista, tem suas fases e nos faz inspirar. Ela só não morre porque deve ser o único vínculo persistentemente imutável a ser observado por todas as gerações de seres vivos que passam pela Terra. 

Que a Lua, agora com L maiúsculo mesmo, não expire jamais de nossa inspiração.

* O desenho acima é de minha autoria. Tendo a Lua (2010).
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Um homem e seu Carnaval

terça-feira, 8 de março de 2011


Muitos já falaram de carnaval. Vou parafrasear Luiz Melodia, quando escutei sua evocação num antigo disco acústico dos Titãs: "Carnaval, carnaval, carnaval... Eu fico triste quando chega o carnaval."

E sobre carnaval, assim escreveu Drummond, no poema que dá título a esse post.

Deus me abandonou
no meio da orgia
entre uma baiana e uma egípcia.
Estou perdido.
Sem olhos, sem boca
sem dimensões.
As fitas, as cores, os barulhos
passam por mim de raspão.
Pobre poesia.

O pandeiro bate
é dentro do peito
mas ninguém percebe.
Estou lívido, gago.

Eternas namoradas
riem para mim
demonstrando seus corpos,
os dentes.
Impossível perdoá-las,
sequer esquecê-las.

Deus me abandonou 
no meio do rio.
Estou me afogando
peixes sulfúreos
ondas de éter

curvas curvas curvas
bandeiras de préstilos
pneus silenciosos
grandes abraços largos espaços
eternamente.

* A obra acima se chama Carnaval em Madureira (1924), de Tarsila do Amaral.
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