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Dias de criança

terça-feira, 12 de outubro de 2010



Meus dias de criança foram na década de 1990, mas quisera eu ter sido nos anos oitenta. Apesar de ter nascido no final da década de oitenta, me sinto espiritualmente ligado a esse decênio do qual vivi incompletos três anos de idade e, claro, não me dava por gente.

Talvez seja porque eu sou um simples saudosista, ou então seja pela música da época, ou até mesmo pela influencia dos meus irmãos, com seus vídeo games toscos, ou enfim seja mesmo por achar os anos 1980 míticos.

Bem pequeno, eu tinha em mente que o mundo era tão pequenino quanto aquele pátio da escola primária. Mas quando você estudava naquela escola primária, o pátio era imenso e quase todos eram iguais. A diferença minuciosa entre aquelas crianças em recreio no pátio estava no sexo, na cor, nas brincadeiras, na inocência, no relacionamento e, também, na esperteza, pois tinha gente miúda que já naquele tempo conseguia arrebatar lanches de outros infantes a troco de seu superego em formação. Pensava eu, então, que o mundo se resumia naquilo. Depois, aos poucos e cada vez mais, redescobrimos as mazelas do mundo e recorremos à nossa infância para redescobrir o saudosismo daquela época. Vi que tinham crianças que não iam para a escola e se viravam para conseguir comer um lanche, nem que fosse aquela comida que iria apodrecer no lixo.

Apesar do apego aos anos 80, passou-me despercebido que existiam muros concretos entre países, entre pessoas e entre nossas limitações. Hoje, sem dúvida, temos os maiores e quiçá piores muros: os virtuais. E isso é tema pra uma longa conversa de bar.

Tirando toda a ênfase pessimista, embora real, recordo de coisas simples e boas daquela época. Assistia desenhos animados ao sabor de um sanduíche com um copo de leite achocolatado. Gostava das trilhas sonoras dos desenhos, especialmente daquela musiquinha chiclete Get Along Gang em "A Turma do Barulho". Jogava games num velho Atari e depois descobri a instantânea modernidade do Super Nintendo, mas ademais me deparei com um Playstation e vi que aquilo pra mim já era pós-moderno para a minha mentalidade oitentista. Brincava de playmobil, tinha pirocóptero, geléia maluca, jogo de alquimia, trapaceava Jogo da Vida e roubava cédulas no Banco Imobiliário. Furtava também, inocentemente, biscoitos, salgadinhos e refrigerantes no meio da noite no mercadinho de meu pai. Colecionava tazos, bonecos dos Cavaleiros do Zodíaco, maços vazios de cigarro, latinhas de refrigerante, figurinhas e álbuns baratos que ofereciam recompensas ilusórias. Colecionava também Histórias em Quadrinhos, preferencialmente do Homem-Aranha, sendo que muitas das revistinhas eu nem lia, só fazia deixar crescer a coleção mensalmente. Cheguei a desenhar e roteirizar uma HQ sozinho e sonhava que ia ser um best seller mundial a nível de Watchmen. Fui para clubes aquáticos, mas não frequentei aulas de natação. Pelejava em jogar bola e entrava no time como "café-com-leite", ou então ficava no banco de reservas mesmo. Enganchava bolas diversas vezes, inclusive no quintal do muro da vizinha intolerante. Aprontava no colégio e me safava de situações travessas me aproveitando de uma carinha sonsa e inocente. Escutava e sabia de cor as músicas do cd dos Mamonas Assassinas, mesmo sem minha mentalidade inocente perceber suas letras indecentes. Deixava de assistir Chiquititas por pensar que era coisa de menininha, e atualmente tenho certeza que estava certo. Eu me mijava na cama com medo dos filmes do Freddy Krueger decepando seus próprios dedos, e hoje, incrivelmente, pouco me abato com filmes de terror. Comemorei o tetracampeonato mundial da seleção brasileira de futebol, pouco entendendo o que estava se passando naquele momento. Atirei com espingarda de chumbinho em um morcego. Fui flagrado me deixando demorar no banheiro e abria o chuveiro para escorrer a água e pensarem que eu estava tomando banho. Joguei bola na rua com pés descalços e dormi assim, sujinho mesmo. Mais tardiamente, folheava, com o coração a mil, coleções de Playboy antigas guardadas no alto do guarda-roupa. Escutava pagode e substitui esse desgosto musical pelos acordes nervosos do Nirvana e descobri minha fixação ao roquenrou. Tive a fase rebelde, com tênis All Star riscado a caneta com uma frase na lateral branca dizendo "Don't Listen Your Parents, Listen Rock N'Roll". A minha fase de rebeldia foi tão intensa que cheguei a rasgar, com tesoura sem ponta, a rede de descanso do meu irmão depois que discutimos bestices. Bem, aí você sabe, quando vem a rebeldia e os hormônios em fúria, acaba a infância e adeus, dias de criança.

Em meus dias de criança, porém, não aprendi a andar de bicicleta, apesar de ter tido uma com rodinhas empenadas. Esse foi meu muro concreto na infância. Levo isso não como um trauma de infância, mas como um desejo de conseguir realizar esse feito já depois de velho. Quem sabe um dia uma criança me ensine a dar umas pedaladas. Concluo comigo mesmo que aprender com a infância nos faz viver novas e indeléveis experiências, seja cedo ou tarde. E assim podemos derrubar até mesmo nossos atuais muros virtuais.
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Essa nossa politicagem

sábado, 2 de outubro de 2010


Mais uma eleição vem chegando. Não tenho meus candidatos ainda. Aliás, nem vou votar. Não vou exercer meu direito de cidadão. Não que eu não queira, mas é que meu sítio eleitoral está a 560 quilômetros de onde estou agora. Justificarei meu voto. O que não se justifica é essa paspalhice em que se encontra nossa politicagem.

Tinha lá eu meus 17 anos quando votei pela primeira vez. Prefeito e vereador. Na minha cidade natal, predominava a mesma oligarquia de sempre. Sem noção certeira de cidadania e de voto justo, digitei algumas teclas e confirmei. Tinha votado na oposição. Como nas eleições precedentes, os velhos mandantes continuaram no poder, com o mesmo politiquismo de antes. Quatro anos depois, a oposição venceu, enfim, mas com a ajuda de alguns dos mesmos políticos de outrora. Por querer fazer um governo intitulado revolucionário, a nova gestão assustou a nova oposição e a comunidade. Com muito pouco apoio político e social, a prefeitura, que continua desde muito surrada, está perecendo. Os juazeirenses bem sabem: independentemente de quem assuma o poder político na cidade, ela não passa bem, obrigado. Infelizmente, esse é o panorama desolador da politicagem em Juazeiro do Norte, Ceará.

Mas a votação de amanhã, dia 3 de outubro, é para um presidente, uns tantos deputados estaduais e federais e alguns senadores desta republiqueta federativa do Brasil. Talvez por ter tantos candidatos concorrendo ao pleito é que aqui em Fortaleza esteja com suas principais avenidas inundadas pela imundície da panfletagem desregrada. O cruzamento da avenida da Universidade com a 13 de Maio está com um turbilhão de papéis no chão, no ar e nos esgotos. Os políticos, os mesmos que prometem mudanças para vivermos numa cidade sadia, emporcalham nosso lar com seus rostos risonhos e seus números estampados em seus milhares de santinhos de papel.

Para presidente, são quase dez candidatos. Mas, claro, você só escuta falar em Dilma, Serra, Marina e, estourando, Plínio. Se você assistiu à propaganda eleitoral gratuita, que de gratuita não tem nada, viu, ainda, os risíveis Eymael (com seu jingle "Ey-Ey-Eymael, um democrata cristão") e Levy Fidelix (com seu slogan do aerotrem) e os extremistas Zé Maria e Rui Pimenta, pouco lembrados. Os debates dos presidenciáveis foi razoável, sem confronto direto entre os mais votados. Dilma, vassala de Lula, gagueja e diz "eu acho". Serra é o sabichão, o cara de cara limpa e de pau. Marina é a eco-capitalista que tenta rimar desenvolvimento com sustentabilidade. Plínio, enfim, é o bom velhinho, auto-intitulado diferente dos outros três, mas que botou lenha na fogueira dos debates. São essas as opções de voto. A dúvida ainda está cruel? Nessas horas, faz-me falta o saudoso Enéas e sua bomba atômica.

As boas opções não param por aí. Para deputado, seja lá para o que for que sirva, há quem possa votar em Tiririca, Mulher Pêra ou Romário. Pensam, ou realmente têm certeza, que somos abestados por completo.

Para governador do Ceará, temos a provável vitória espetacular de Cid Gomes, acusado de falsas acusações, que se promoveu com maestria por meio de obras que já tinham que ser arquitetadas faz tempo e por meio da polícia destreinada e maquiada do Ronda do Quarteirão. Lembremos: o Ceará é o terceiro estado mais pobre do país e Cid teve um dos maiores gastos em campanha política entre todos os outros candidatos a governador de qualquer outro estado do Brasil. Enquanto isso, a atenção básica à saúde pede esmolas e, ao mesmo tempo, pasmem, projeta-se a construção do maior aquário internacional da América Latina em Fortaleza. Mas, inacreditavelmente, poderia ser pior se Collor fosse cadidato ao governo do estado do Ceará.

Os senadores, sem irem contra a maré, são os de quase sempre. Vou parafrasear o futuro ilustre ex-presidente e quiçá secretário-geral da ONU, nosso Lula, sobre dois candidatos medalhões do Ceará para senador: "Quem votar em um, vota no outro, e quem votar no outro, vota naquele." É como diz aquela censurada música paralâmica, Luís Inácio falou, Luís Inácio avisou... E tudo continua no mesmo excremento de antes.

Como já dizia Humberto Gessinger, líder dos Engenheiros do Hawaii, na sua peculiar linha de baixo e em letras paradoxais emprestadas à história do rock nacional: "Eu presto atenção no que eles dizem, mas eles não dizem nada (...) Toda forma de poder é uma forma de morrer por nada. Toda forma de conduta se transforma numa luta aramada". Enfim: "A história se repete, mas a força deixa a história mal contada."
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