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Isso é blues

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011




Show descompromissado de blues. Ele só queria conhecer o velho estilo musical que alicerçou o bom rock and roll. O blues. Aquele ritmo alucinante, inspirador. Onde guitarra chora, baixo lamenta, teclado fala, gaita grita e bateria marca o ritmo. É isso, talvez, o blues. A sonoridade mais humana de todas. E se é humana, é sentimental. Expressa angustia, solidão, dor... mas aí vêm os solos pra contradizer isso tudo com um sonoro: “dane-se!”.

Logo na entrada do show, ele a encontrou, mesmo não procurando-a. Aliás, nem passava por sua cabeça encontrá-la lá. Antigo amor. Seria inevitável o olhar recíproco e também estavam tão próximos que foi inevitável até o contato verbal. De surpresa, cumprimentaram-se. Um beijo na face e um abraço nervoso. Foi um segundo, só. Ele sentiu seu cheiro e ela reconheceu o cheiro dele. Seria impossível para ambos esquecer. – Oh... olá! tá curtindo um blues? – ele diz, risonho. – É... legal, né? – ela responde instantaneamente, emendando com uma exclamação: – Meu namorado... ele toca baixo nessa banda. – O tempo para ambos parou. Ela não queria dizer aquilo daquela forma lacônica, muito menos para ele que, suando frio, joelho vacilante, arriscou com um sorriso agora amarelo: – Err, que bom. – Não se sabe o que sucedeu, mas cada um foi pro seu canto, convenhamos. Como assim, "bom"?

Assistir show de blues, só, é o maior significado para solidão. As próprias melodias choram ao invés de você mesmo chorar. Estava tão confuso quanto para ele seria reproduzir solos irreprodutíveis de blues. Pouco interessava perceber a linha de baixo. O baixo, logo aquele baixo, por ironia, lamentava o choro da guitarra, lamentava a fala travada do teclado, lamentava o grito de desespero em vão da gaita e, ainda assim e mais do que nunca, marcava o compasso perfeito com o ritmo da bateria. Lamentava, enfim, seu próprio lamento. Não fora do tom, mas em tom grave.

Isso, sim, é blues. Mas é rock and roll também.

* A imagem acima se chama Le Violon d'Ingres (1924), de Man Ray.