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Sentimento do mundo

sexta-feira, 19 de novembro de 2010



O terceiro livro de poesia de Drummond, Sentimento do Mundo (1940), mostrou-me um poeta indignado com a capacidade que o homem pode ter em ser tão virulento à humanidade. É o sentimento de "um mundo caduco", do qual Drummond não quer ser poeta deste. Sentimento de guerra, frustração, desilusão... E de tudo o mais que o pessimismo pode gerar ao proprio homem. Drummond assume caráter político. Escancara as facetas do mundo, não esquecendo seu coração. Transcrevo aqui Os Ombros Suportam o Mundo, uma poesia sempre atual, quer seja em tempos de guerra ou não.

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.